segunda-feira, 19 de abril de 2010


nem bem abriu os olhos, tudo se apagou. aqueles poucos instantes já significavam muito para ele, que vinha de dias e dias de buscas infrutíferas pelo arbusto sagrado. percebeu então que era isso, de olhos abertos as luzes acesas causavam uma sensação de segurança, enganado que estava em dar méritos à visão privilegiada. em verdade, a escuridão podia lhe ensinar algo. nem bem abriu os olhos, teve vontade de fechá-los novamente e abstrair daquelas caras que o observavam faziam tantos dias.
de olhos fechados abriu suas asas e saiu a sobrevoar a cidade, como já tinha feito tantas vezes. atingia uma velocidade muito maior que a de um avião por ser bem mais leve, relativamente. viu à sua frente alguns urubus bailando e perguntou se poderia aprender um pouco daquela dança, no que recebeu resposta afirmativa. ninguém acreditaria quando contasse!
a dança durou horas, o tempo da descida até o cadáver em putrefação. sem experiência na arte da bicada, aguardou o início do banquete. despedaçada a carne, os olhos caíram aos seus pés e ele nem pensou: abocanhou. recebeu abraços calorosos e fedorentos dos amigos alados, que prometeram convidá-lo para o próximo lanche, mas naquele momento precisavam sair a acudir parentes que não gostariam de saber que eles tinham como novo companheiro um humano, vivo principalmente.
cheirou os suvacos e só lamentou ter ganhado além do conhecimento um banho de essência de urubu. bateu as asas e subiu aos céus outra vez. só não percebeu que o mundo estava invertido, entrou num buraco de esgoto e viu deus numa ratazana. barbuda também, como nos filmes. mas não branca, preta. molhou as asas e elas ficaram pesadas e ele percebeu que demoraria para sair dali, o tempo de secagem delas num ambiente úmido.
deus o convidou para conhecer as galerias do céu e seus sentinelas. prometeu que secaria suas asas com um sopro, mas ele teria de passear e ter o desejo real de novamente voltar a voar.
enquanto isso, os seres no asfalto continuavam a caminhar e a vender suas horas, um terço de seus dias no mínimo.
e ele continuava dormindo, imaginando qual seria a sua real vontade naquele instante sem relógio.


e vem chegando a hora
sem minutos
nem segundos,
a hora instante
do mundo acabar:

os erros amortecidos
bagunçam os passos.

o adeus preparado demais
provoca a ira,
derrama gotas
de fúria
ao avesso:

desligo a luz
pra pensar melhor.

quinta-feira, 8 de abril de 2010


pra seu governo,
não sou governado por ninguém.