sexta-feira, 6 de novembro de 2009


Chuva

a chuva caía fininha, sem parar, na cidade histórica. o camarada caminhava sem guarda chuva, com os dois tênis furados, pulando as poças que cruzavam o caminho... comprou cem gramas de mortadela e três pães de sal na padaria do maneco e foi até a praça. sentou no banco dos velhinhos do xadrez (um xingava o outro, a derrota doía) e preparou os sanduíches. mal começou a comer, a chuva apertou e começou a molhar pão, mortadela, os velhos, os cabelos do camarada e as peças do jogo. rei e rainha de papel machê.
o camarada queria acender um cigarro, mas a chuva caía e não haviam marquises na cidade. queria fumar uma erva mas haviam policias demais nas ruas, nem um congoblue adiantaria.
enquanto isso, da janela de um prédio que ficava bem próximo à praça, a moça observava os atos do camarada e dos velhinhos. com os dedos digitava algo no teclado do computador e com os olhos alternava entre praça e tela. perdera a hora do almoço e, como não havia almoçado, sabia que demoraria a sentir vontade de cagar. levantou, caminhou até o bebedouro, tomou três goles daquela água com gosto de metal e voltou aos seus afazeres: um olho na tela, outro na praça. mas o camarada já não estava mais lá.
na porta de um bar, os dois velhinhos se atracavam. o camarada chegou perto, viu a carteira de um deles cair no chão, veio se aproximando e pegou sorrateiramente a ditacuja. ninguém deu atenção ao fato, todos estavam interessados mesmo no embate.
o camarada saiu andando na direção do ponto de ônibus, abriu a carteira e dentro dela haviam algumas fotos de crianças jogando bola, um vale-idoso e receitas médicas. segurou para si apenas a que receitava o viagra. o resto jogou na lata do lixo.
a moça da janela procurava e procurava, mas a neblina começava a tomar conta da praça e ela não conseguia ver mais quase nada. seus olhos estrábicos permaneciam um na tela, outro na neblina. e da neblina então saiu uma borboleta, que pousou em seu nariz e a beijou.

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